Fábio André Malko
Resumo: Este artigo analisa a crescente polarização política no Brasil, explorando como figuras como Jair Bolsonaro, Pablo Marçal e André Janones utilizam as redes sociais para radicalizar o debate público. O texto discute as respostas das instituições tradicionais, como o Judiciário e o Congresso, que, presas a paradigmas antigos, lutam para se adaptar ao mundo digital. Aborda também a necessidade de novas estratégias que promovam o diálogo e a compreensão, ao invés da simples repressão, e propõe a criação de espaços de mediação entre as instituições e as plataformas digitais para enfrentar de maneira mais eficaz os desafios da desinformação e da polarização.
Nos últimos anos, o Brasil tem vivido um cenário de crescente polarização, que tem se manifestado tanto na esfera política quanto nas redes sociais. Figuras como Jair Bolsonaro, Pablo Marçal, André Janones e o Presidente Lula são exemplos claros de como essa nova dinâmica política se desenvolve, utilizando discursos radicais e o apelo direto às massas para construir e solidificar suas bases de apoio. Esses atores políticos exploram o sentimento de indignação popular contra as instituições (valores/minorias/pautas/adversários), apresentando-se como alternativas ao sistema tradicional ou mesmo como combatentes da extrema direita/esquerda. Esse fenômeno reflete uma transformação profunda na forma como a política é feita e a informação é disseminada, impulsionada por uma mudança radical no papel das redes sociais.
As redes sociais, que surgiram como plataformas para o diálogo e a expressão individual, tornaram-se arenas de confronto político, onde a polarização é exacerbada. O ambiente digital favorece a disseminação de narrativas simplistas e maniqueístas, que dividem a sociedade em “nós” contra “eles”. Tanto Bolsonaro e Marçal no campo da direita, quanto Lula e Janones no campo da esquerda, para não citar inúmeros outros de ambos os lados, têm utilizado essas ferramentas para radicalizar o debate público, capitalizando em cima do sentimento de perseguição ou ressentimento, que alimenta a animosidade entre diferentes grupos sociais. Essa estratégia não só fortalece suas posições políticas inflamando seus seguidores, mas também contribui para um ambiente de crescente intolerância e conflito.
Por outro lado, as instituições tradicionais, como o Judiciário e o Congresso, demonstram dificuldade em se adaptar a essa nova realidade. Presas a paradigmas antigos, elas tentam conter a polarização e as ameaças à democracia com ferramentas jurídicas convencionais, como investigações, bloqueios de plataformas e criminalização de discursos. Quando essas medidas falham, aumentam o rigor punitivo ou mesmo a retaliação mútua, frequentemente ignorando normas jurídicas consolidadas sob a justificativa de urgência e sigilo. Essa abordagem revela uma incapacidade de compreender as nuances da comunicação digital pelas instituições e a capacidade de compreendê-las por atores individuais, o que acaba por alimentar ainda mais a polarização, ao invés de mitigá-la.
Da direita à esquerda: polarização como ferramenta de ascensão
Jair Bolsonaro, desde sua ascensão em 2018, tornou-se um símbolo do uso estratégico das redes sociais para mobilizar apoio político. Sua retórica polarizadora e sua disposição em confrontar as instituições garantiram-lhe um seguimento fervoroso, especialmente entre aqueles que se sentiam marginalizados pelo sistema tradicional. Mesmo após a perda de seus direitos políticos, sua influência nas redes sociais permanece forte, com milhões de seguidores ecoando suas ideias.
Pablo Marçal, embora menos conhecido, segue uma trajetória similar. Utilizando as redes sociais como principal meio de comunicação, Marçal construiu uma base significativa ao adotar um discurso anti-establishment e se posicionar como um outsider político. Sua estratégia envolve desafiar diretamente as instituições e seus adversários, posicionando-se como “a voz do povo”, ressoando em um ambiente digital onde respostas rápidas e radicais são amplamente valorizadas.
No entanto, o radicalismo nas redes sociais não é exclusivo da direita. Figuras da esquerda, como André Janones, Guilherme Boulos e o próprio Presidente Lula, adotam estratégias semelhantes, utilizando as plataformas digitais para polarizar o debate e mobilizar suas bases. Esses atores também se valem da “lacração” em discursos que provocam reações emocionais intensas, exacerbando divisões. O ambiente digital, onde as reações rápidas são premiadas com curtidas e compartilhamentos, cria um ciclo vicioso que alimenta ainda mais a polarização e a radicalização dos discursos.
Bloqueio do X e a Resposta das Instituições
O bloqueio do X (antigo Twitter) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e a decisão de restringir as contas bancárias da Starlink, são exemplos de como as instituições brasileiras têm tentado responder ao que consideram ameaças à democracia. Essas ações, tomadas sob a justificativa de combater a desinformação e proteger a integridade das eleições e da democracia, geraram críticas tanto no Brasil quanto internacionalmente. A medida foi vista por alguns como uma tentativa de controlar a narrativa política e suprimir vozes dissidentes, o que pode ter o efeito oposto ao desejado, aumentando a desconfiança e a resistência entre os grupos afetados.
O problema dessas ações é que elas partem de uma lógica de controle e repressão, que é inadequada para lidar com a complexidade e a dinâmica das redes sociais modernas. Ao invés de abordar as causas profundas da polarização e da desinformação, essas medidas acabam por intensificar o sentimento de vitimização entre os afetados, que passam a ver o Judiciário como um inimigo a ser combatido. Isso, por sua vez, fortalece as narrativas de perseguição promovidas por figuras como Bolsonaro e Marçal, que utilizam essas ações para mobilizar ainda mais suas bases.
Além disso, o uso de bloqueios e restrições como ferramenta de controle pode ser visto como uma abordagem antiquada em um mundo digital em rápida evolução. As plataformas de mídia social operam em uma lógica global e descentralizada, onde a repressão direta de conteúdos e usuários é frequentemente ineficaz e pode ser contornada facilmente. Em vez de fortalecer a democracia, essas ações podem acabar por enfraquecê-la, ao criar um ambiente de constante confronto entre as instituições e os cidadãos, e ao dar margem para que líderes populistas, de qualquer ideologia, capitalizem sobre o sentimento amargo da opressão ou sobre o sentimento doce da punição ao adversário.
O Judiciário e os Limites da Criminalização
O Judiciário brasileiro tem desempenhado um papel cada vez mais ativo na tentativa de conter o avanço da desinformação e proteger as instituições democráticas. Nos últimos anos, vimos uma expansão do uso de medidas judiciais para criminalizar discursos e ações consideradas ameaçadoras à ordem democrática. Embora essas medidas sejam ancoradas em uma tentativa de defesa da democracia, há um risco real de que o excesso de judicialização acabe por minar a própria legitimidade das instituições que pretende proteger.
A criminalização excessiva e medidas desproporcionais podem gerar um efeito contrário ao desejado. Em vez de dissuadir comportamentos perigosos, ela pode reforçar as narrativas de perseguição e vitimização utilizadas por figuras como Bolsonaro e Marçal. Essas narrativas são extremamente eficazes em mobilizar as bases, que passam a ver o Judiciário não como um defensor da justiça, mas como um instrumento de repressão. Isso não só fortalece as divisões políticas, mas também pode levar a uma crise de confiança nas instituições democráticas.
Esse cenário sugere que o Judiciário precisa repensar sua abordagem ao lidar com a desinformação e o radicalismo nas redes sociais. Em vez de focar exclusivamente na repressão, é crucial que as instituições adentrem o mundo digital, entendam suas dinâmicas e calibrem suas respostas para alcançar resultados mais efetivos. O fortalecimento da educação midiática, o incentivo ao debate aberto e a promoção de iniciativas que fomentem o diálogo entre diferentes grupos também são estratégias que podem complementar as ações judiciais e construir uma democracia mais resiliente.
A Necessidade de Novas Ferramentas e Diálogo
Diante do cenário atual, é evidente que as instituições brasileiras — incluindo o Judiciário, o Legislativo e o Executivo — precisam evoluir suas estratégias para enfrentar os desafios do mundo digital. A simples imposição de poder, por meio de bloqueios, censuras e criminalizações, não é mais suficiente para lidar com as complexidades das redes sociais e da desinformação em um mundo de informação descentralizada. Em vez disso, essas instituições devem buscar novas ferramentas e métodos que promovam o diálogo e a compreensão, em vez de simplesmente reprimir o que não entendem ou não conseguem controlar.
Uma abordagem promissora seria a criação de espaços de diálogo genuíno entre as instituições governamentais, as plataformas digitais e a sociedade civil. Esses fóruns poderiam servir para discutir as melhores práticas, identificar áreas de cooperação e desenvolver estratégias conjuntas para combater a desinformação sem comprometer a liberdade de expressão. Esses espaços de diálogo poderiam seguir o modelo das iniciativas de mediação que o Judiciário tem promovido em casos tributários, que reune litigantes para buscar soluções consensuais. Ao trazer todos à mesa para uma conversa franca e clara, sem ameaças de qualquer lado, seria possível aperfeiçoar o ambiente digital do país, promovendo um entendimento mútuo.
Além disso, é fundamental que as plataformas digitais sejam convidadas a desempenhar um papel ativo e positivo nesse processo. Em vez de tratá-las como inimigas ou apenas alvos de coerção, as plataformas deveriam ser incentivadas a utilizar suas ferramentas para potencializar a disseminação de informações verdadeiras e educar o público sobre como identificar desinformação. Ao colaborar de forma construtiva, as plataformas podem ajudar a criar um ambiente digital mais informado e resiliente, contribuindo de maneira significativa para a solução desse problema. Em resumo, elas possuem na sua própria essência as ferramentas necessárias para resolver o problema.
Ao adotar essas novas ferramentas e métodos, as instituições brasileiras poderão enfrentar de forma mais eficaz os desafios do mundo digital, promovendo um ambiente onde a informação correta prevaleça e onde o diálogo construtivo seja o caminho para resolver conflitos e evitar a polarização exacerbada.
Conclusão
O cenário atual de polarização política e radicalismo nas redes sociais apresenta desafios que vão muito além das respostas simplistas e repressivas. Para evitar uma possível ruptura institucional e assegurar a proteção da democracia brasileira, é imperativo que as instituições adotem uma abordagem equilibrada e inovadora. Isso implica não apenas em regular e punir, mas em promover ativamente o diálogo, a educação, e a participação ampla no debate público.
As instituições precisam reconhecer que o mundo digital trouxe uma nova dinâmica, exigindo que elas atualizem suas estratégias e ferramentas. Ao invés de se ancorarem em práticas obsoletas, é hora de adotar novas abordagens, como o modelo de mediação que o Judiciário já implementa em questões tributárias. Essa prática, que reúne diferentes partes para buscar soluções consensuais, poderia ser adaptada para o ambiente digital, permitindo que as instituições, plataformas e a sociedade civil trabalhem juntas na construção de um espaço mais saudável e colaborativo.
Da mesma forma, as plataformas digitais devem ser vistas como aliadas nesse processo. Elas possuem as ferramentas necessárias para combater a desinformação de maneira eficaz e podem ser fundamentais na promoção de uma educação midiática robusta. Ao colaborar com as instituições e a sociedade civil, essas plataformas podem ajudar a criar um ambiente digital mais informado e resiliente, onde a verdade e o diálogo construtivo prevaleçam sobre a polarização.
Colocar a bola no chão e buscar um consenso que leve em conta as novas realidades do mundo digital é o único caminho para construir uma democracia forte e capaz de enfrentar as ameaças do presente e do futuro. Somente assim será possível evitar a radicalização exacerbada e garantir que as liberdades fundamentais sejam preservadas para todos.
– – – – – – – – – – – – – – –
Nota do Autor: Este artigo reflete exclusivamente a opinião pessoal do autor sobre os temas discutidos. As análises e argumentos apresentados são baseados em interpretações individuais dos fatos e têm como objetivo contribuir para o debate público. O artigo não pretende ser uma representação exata ou exaustiva de todas as perspectivas possíveis, e as opiniões expressas não devem ser interpretadas como declarações definitivas ou conselhos legais. Convido os leitores a refletirem sobre as questões abordadas e a formarem suas próprias opiniões a partir das informações disponíveis.