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O julgamento do RE 1.387.795/MG, submetido à sistemática da repercussão geral (Tema 1.232), trouxe ao STF uma das mais delicadas questões envolvendo a interface entre o Direito do Trabalho e o Direito Processual Civil: a possibilidade de inclusão de empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico no polo passivo da execução trabalhista, mesmo sem participação prévia na fase de conhecimento.
A controvérsia surgiu da prática consolidada na Justiça do Trabalho de ampliar a execução contra sociedades integrantes de conglomerados empresariais sob o fundamento da teoria do “empregador único”, com base no art. 2º, §2º, da CLT, frequentemente sem a instauração de procedimento próprio para assegurar contraditório e ampla defesa.
A decisão do STF, entretanto, inaugura um marco interpretativo mais restritivo, impondo limites constitucionais e processuais claros à responsabilização de empresas em execuções trabalhistas.
Os votos dos ministros, embora convergentes na essência, revelam nuances que merecem ser analisadas em detalhe, sobretudo para compreender os fundamentos invocados, os ajustes feitos na formulação da tese e as consequências práticas no cenário jurídico e empresarial.
Histórico da ação (RE 1.387.795 /MG – Tema 1.232)
O caso paradigmático teve origem em uma reclamação trabalhista movida por Bruno Alex Oliveira Santos contra sua empregadora direta, Alcana Destilaria de Álcool de Nanuque S.A., e outras pessoas jurídicas que ele considerou integrantes do Grupo Infinity.
A controvérsia central surgiu quando a Rodovias das Colinas S/A, empresa recorrente, foi incluída no polo passivo da execução trabalhista, após o trânsito em julgado, sob o argumento de pertencer ao mesmo grupo econômico (Grupo Infinity).
Essa inclusão ocorreu sem que a empresa tivesse participado da fase de conhecimento e sem a instauração do devido procedimento de defesa.
O TST havia mantido a decisão de inclusão. O acórdão recorrido pelo TST sustentava a teoria do empregador único, afirmando que a responsabilização de empresa componente de grupo econômico não estaria sujeita ao procedimento do IDPJ (art. 133 e ss. do CPC), pois, legalmente, já responderia pelos débitos do grupo (art. 2º, § 2º, da CLT).
A empresa recorrente alegou que essa inclusão, com a restrição da defesa na fase de execução, violava as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. O STF reconheceu a repercussão geral da matéria (Tema 1.232) em setembro de 2022.
O voto do ministro relator Dias Toffoli e seu complemento
O ministro Dias Toffoli, relator do caso, propôs inicialmente a nulidade dos atos executórios praticados contra empresa que não havia participado da fase cognitiva, reconhecendo violação ao devido processo legal (art. 5º, LIV, CF), ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV, CF).
Destacou a importância de se observar o art. 513, § 5º, do CPC, que veda o cumprimento de sentença contra corresponsável ou fiador não presente no processo de conhecimento.
Para ele, a inclusão de empresas em execução somente poderia ocorrer mediante a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto nos arts. 133 a 137 do CPC e no art. 855-A da CLT, desde que comprovados os requisitos do art. 50 do CC (abuso de personalidade, desvio de finalidade ou confusão patrimonial).
Posteriormente, em sessão plenária de fevereiro de 2025, o ministro reajustou seu voto para acolher contribuições dos colegas, especialmente Cristiano Zanin, Flávio Dino e André Mendonça.
Nessa versão consolidada, a tese fixada delimitou que a inclusão de corresponsáveis deve ocorrer já na fase de conhecimento, cabendo ao reclamante indicar desde a inicial as empresas contra as quais pretende dirigir eventual execução.
Apenas em hipóteses excepcionais – sucessão empresarial (art. 448-A, CLT) ou abuso de personalidade (art. 50, CC) – admite-se redirecionamento em fase executiva, sempre mediante incidente próprio e com observância estrita ao contraditório
Essa modulação também preservou a segurança jurídica ao ressalvar execuções já findas, créditos satisfeitos ou processos com coisa julgada.
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O voto do ministro Cristiano Zanin
O ministro Cristiano Zanin acompanhou o relator quanto ao caso concreto, mas apresentou formulação alternativa da tese de repercussão geral, mais rigorosa na limitação do redirecionamento da execução. Para ele, a mera existência de grupo econômico não autoriza a inclusão automática de empresas na execução.
É indispensável que o autor, já na petição inicial, demonstre concretamente os requisitos do art. 2º, §3º, da CLT: interesse integrado, comunhão de interesses e atuação conjunta. A falta dessa demonstração inviabilizaria a responsabilização solidária de empresas não empregadoras.
Zanin também ressaltou que a exceção ao princípio – a possibilidade de redirecionamento – deve ser restrita a duas situações: sucessão empresarial e abuso de personalidade jurídica.
A justificativa repousa na proteção do contraditório substancial: sem participação na fase cognitiva, a empresa seria surpreendida por atos executivos sem possibilidade de discutir a própria relação jurídica de base.
Nesse aspecto, sua posição reforça uma leitura garantista, equilibrando a efetividade do crédito trabalhista com os direitos fundamentais do devido processo.
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O voto do ministro André Mendonça
O ministro André Mendonça igualmente acompanhou o relator, mas fez questão de sublinhar o fundamento constitucional da regra do art. 513, § 5º, do CPC.
Para ele, admitir a inclusão direta de empresas na execução significaria esvaziar o contraditório e a ampla defesa, pois a parte surpreendida ficaria restrita a matérias de defesa extremamente limitadas no cumprimento de sentença (art. 525, § 1º, CPC).
Assim, seria vedado a essa empresa discutir elementos essenciais da relação de emprego ou da configuração do grupo econômico.
Mendonça também destacou que a solidariedade prevista no art. 2º, § 2º, da CLT é instituto de direito material e não processual. Portanto, não dispensa o respeito às normas procedimentais que asseguram a ampla defesa.
Para compatibilizar o sistema, indicou que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica deve ser o caminho adequado, permitindo instrução probatória própria e participação efetiva da parte.
Nesse ponto, seu voto reforça a necessidade de cautela processual, mas sem inviabilizar o acesso do trabalhador ao crédito, uma vez que a desconsideração pode ser utilizada inclusive de forma inversa (atingindo sociedades para alcançar bens desviados por sócios)
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O voto do ministro Kassio Nunes Marques
O ministro Kassio Nunes Marques também acompanhou a linha do relator, enfatizando que a solidariedade trabalhista não é automática e que sua aplicação depende de prova efetiva da configuração do grupo econômico.
Ressaltou a importância de preservar o equilíbrio entre a proteção ao crédito trabalhista e a segurança jurídica das empresas, apontando que a tese proposta por Toffoli – já ajustada – representava a melhor forma de assegurar previsibilidade e coerência.
Seu voto reforçou a ideia de que o processo trabalhista não pode ser conduzido à margem do sistema processual civil e constitucional, afastando interpretações que ampliem de modo desmedido a responsabilidade patrimonial de sociedades integrantes de grupos empresariais.
O voto do ministro Gilmar Mendes
Já o ministro Gilmar Mendes foi incisivo em sua crítica à prática consolidada na Justiça do Trabalho de incluir empresas apenas na execução com base no grupo econômico. Para ele, tal postura afronta diretamente o art. 513, § 5º, do CPC, a súmula vinculante 10 do STF e, por consequência, o princípio da reserva de plenário (art. 97, CF).
Gilmar Mendes destacou ainda que a CLT limita severamente a defesa do executado em embargos (art. 884), permitindo apenas alegações como quitação ou prescrição. Isso torna inviável a defesa substancial de empresas incluídas apenas nessa fase, privando-as de discutir a própria configuração do grupo econômico ou eventual abuso.
Sua posição, portanto, foi de reafirmar que a observância ao devido processo legal é cláusula pétrea e não pode ser flexibilizada sob o argumento da efetividade da execução
Reflexos práticos da decisão
A decisão do STF reorienta a atuação da Justiça do Trabalho, que não poderá mais incluir empresas no polo passivo apenas na fase de execução com base na teoria do empregador único. Doravante, os reclamantes deverão indicar, desde a inicial, todas as empresas que desejam ver responsabilizadas, instruindo a petição com provas da configuração do grupo econômico.
A exceção, restrita a hipóteses de sucessão e abuso de personalidade, dependerá do incidente de desconsideração. Isso tende a reduzir o número de execuções redirecionadas sem cognição adequada e aumentará a utilização do incidente processual, trazendo maior uniformidade e segurança.
No plano empresarial, o impacto é significativo. De um lado, há um reforço da autonomia patrimonial das sociedades que compõem grupos econômicos, na medida em que não poderão mais ser responsabilizadas automaticamente por dívidas trabalhistas de outras empresas do grupo.
Isso reduz riscos de constrições inesperadas e confere maior previsibilidade às empresas que atuam em estruturas complexas.
Por outro lado, a decisão também impõe responsabilidades indiretas: a necessidade de compliance societário e trabalhista mais rigoroso, documentação robusta que comprove a separação de patrimônios e a ausência de confusão societária.
Empresas que praticarem desvio de finalidade ou utilizarem a estrutura de grupo para fraudar credores continuarão sujeitas ao redirecionamento, agora com exigência de demonstração formal e judicialmente controlada.
Além disso, para os trabalhadores e sindicatos, a decisão significa maior ônus probatório e estratégico, pois deverão estruturar as iniciais com maior precisão e cuidado.
Na prática, isso poderá levar a um aumento de litígios paralelos e ao prolongamento de disputas, mas, em contrapartida, garante que a execução seja dirigida apenas a quem efetivamente tenha responsabilidade material.
Conclusão
A decisão do STF no Tema 1.232 representa um divisor de águas na responsabilização de empresas integrantes de grupos econômicos em execuções trabalhistas.
Ao exigir contraditório e ampla defesa substanciais e condicionar a inclusão de empresas a incidente próprio e fundamentado, o STF reafirma a centralidade do devido processo legal como limite à expansão do poder executório trabalhista.
No plano empresarial, a decisão traz maior segurança jurídica, mas também impõe novos deveres de governança e de compliance. Se, por um lado, protege empresas de serem surpreendidas em execuções sem participação prévia, por outro, estimula maior transparência e organização na constituição e operação de grupos econômicos.
Assim, o julgamento não apenas redefine práticas processuais, mas também impacta diretamente a forma como empresas estruturam suas relações societárias e patrimoniais no Brasil.
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